CVM lança cartilha para orientar criminosos de colarinho branco.
Agora a turma que vive na Suíça para fugir do calor escaldante do
Leblon e das enchentes/apagões da Faria Lima tem toda a orientação necessária
para não errar na hora de propor um “acordinho” para encerrar/engavetar
processos sancionadores sem julgamento e, o mais importante, sem confissão de culpa (https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/processos/termos-de-compromisso/termos-de-compromisso), os famosos termos de compromisso (TCs).
Muito bem escrito, o “material informativo” no formato de FAQ
(Frequently Asked Questions – perguntas frequentes) funciona como uma cartilha
para orientar criminosos de colarinho branco em suas peripécias no mercado. Não
vai ser por falta de orientação que essa turma vai errar na hora de escrever
que vai cessar a prática ilícita pagando um DARF recheado para os cofres de
Brasília (sim, a grana não fica com a CVM), mas sem confessar culpa ou admitir
que pagou multa na roda de amigos no Golfe Clube.
O interessante material, cujo título poderia ser “Como atuar
criminosamente no mercado de capitais sem nunca confessar culpa”, começa com um
preâmbulo bem didático: “A finalidade última do Termo de Compromisso é facultar
a celebração de ajuste entre pessoa, natural ou jurídica, que possa ter
incorrido em desvio de conduta, e a CVM, com encerramento do
procedimento/processo correspondente sem que haja julgamento.” Ou seja, corre,
corre para encerrar o processo sancionador e continuar com ficha limpa no mercado
de capitais. O trecho “que possa ter incorrido em desvio de conduta” é a cereja
do bolo: vocês acreditam que alguém aceita pagar R$ 15 milhões em um TC se não
tiver a certeza da culpa, como foi o caso da turma GGG na operação das latinhas
de cerveja?
O que vemos muitas vezes é um desvio de uso da ferramenta; defendo
que todo “suposto desvio de conduta” deve ser julgado, deixando essa importante
ferramenta para acelerar/encerrar processos que envolvam infrações de pouca
gravidade/falhas operacionais, como o atraso eventual na publicação de um
documento.
E a verborragia ilusionista continua: “O Termo de
Compromisso é uma ferramenta por meio da qual a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) pode substituir o exercício da sua pretensão punitiva junto
ao(à) regulado(a) que possa ter incorrido em desvio de conduta por compromisso
por meio do qual o(a) regulado(a) se compromete a: i) cessar a conduta que, em
tese, esteja em desacordo com a legislação/regulamentação do mercado de
capitais; e ii) corrigir as irregularidades correspondentes, ressarcir
prejuízos individualizados causados a terceiros e indenizar danos difusos em
tese causados no âmbito do mercado.”
Logo em seguida conclui que “o Termo de Compromisso é, portanto,
uma ferramenta para solução consensual de litígios administrativos de
cunho sancionador, cuja celebração não importa confissão quanto à matéria
de fato ou reconhecimento de ilicitude da conduta correspondente. Assim, não há
que se falar em aplicação de penalidades quando se trata de Termo de
Compromisso, uma vez que a sua celebração não se confunde, em nenhuma medida,
com julgamento – aliás, e por exemplo, a obrigação pecuniária pactuada em sede
de Termo de Compromisso não se caracteriza como penalidade de multa (grifo
nosso).”
Mas é claro que não é multa; essa obrigação pecuniária dadivosa,
de um sujeito que admite o ilícito que cometeu, deveria ser classificada como
uma CCFSD – Contribuição Caridosa para o Fundo da Safadeza Difusa.
Resumindo, toda proposta de termo de compromisso deveria começar
assim: “Alô Xerife, tô passando para avisar que alguém cometeu um ilícito, não
sei quem fui, mas aceito desembolsar milhares/milhões de reais para encerrar o
presente processo sancionador, sem que esse valor seja classificado como multa,
jogando no lixo a robusta peça de acusação formulada pela competente área
técnica da CVM”. Uma verdadeira peça de ficção, pois todo o processo é tratado
no formato “em tese”... O meliante confessa que “em tese negociei ações de
posse de informação privilegiada (tudo comprovado com planilhas vindas da B3),
em tese eu controlador utilizei contratos fraudulentos para pagar propina (olha
a farmacêutica aí minha gente...), em tese votei em conflito de interesses ao aprovar
a distribuição da verba global e definir que a maior parte vai para a minha
própria remuneração na presidência do Conselho de Administração ! Em tese, em
tese....
Merece destaque o link que permite ao internauta pesquisar os
termos de compromisso celebrados entre 1998/2025 (https://conteudo.cvm.gov.br/termos_compromisso/index.html). Só de curiosidade vasculhei os 832 casos listados colocando no
campo de pesquisa o nome de proeminentes investidores que frequentemente
aparecem nas páginas de economia da imprensa especializada como controladores
de empresas listadas.
Sugiro que todos façam isso antes de sentar-se em uma mesa de
reuniões na Faria Lima. Coloque o nome entre parênteses para refinar a
pesquisa. Bingo, logo na 1ª pesquisa a turma GGG (com ganância, ganhos e
glamour - não é tamanho de roupa) aparece em 3 processos. Estranho, a CVM não
tem que observar os antecedentes dos acusados, além da gravidade da infração (art.
86 da Instrução 607), quando recebe uma proposta de TC? O colegiado observa que
acusados de Insider trading caminham para o 3º termo de compromisso e tratam a
proposta como se fosse de um DRI de fralda ajoelhando no milho pelo 1º fato
relevante que deixou de publicar? Não deveria ser obrigatório levantar a ficha
corrida do acusado (e dar publicidade) como pré-condição para avaliar uma
proposta de TC? O trio parada-dura vai pedir música no auditório da Rua Sete de
Setembro – sugiro Réu confesso, de autoria de Tim Maia?
Continuando a ser chato pesquisei o nome do proeminente investidor
que vive envolvido em polêmicas (empresas de petróleo, distribuidora de energia
elétrica, construtoras de edifícios residenciais, etc.), quase sempre escondido
por trás de fundos de investimento. E não é que o “fantasma” aparece com o
próprio CPF em dois processos... mais uma vez o Colegiado esqueceu de ver a
ficha corrida do meliante?
E, fechando a pesquisa com chave de ouro, o famoso banqueiro, sua
irmã, seus asseclas e seu banco aparecem meia dúzia de vezes...
E termino essa amistosa postagem na balada de Lulu Santos: “assim
caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade”.
Abraços fraternos,
Renato Chaves
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