Quer pagar quanto? É arrecadação, estúpido.
Uso uma paródia da famosa frase de James Carville (“É a economia,
estúpido") para tentar traduzir o que move o nosso regulador diante de um
mercado que insiste em desrespeitar regras e usurpar direitos, jogando a
credibilidade coletiva na sarjeta.
Até aquilo que poderia parecer algo positivo, como a recusa em
aceitar propostas de termos de compromisso, surpreende a todos quando se vê a
justificativa para a negativa: os acusados, velhos conhecidos do mercado e do
banco dos réus da Rua Sete de Setembro, propuseram pouco dinheiro para a
“transação”.
Aqui cabe abrir um parêntese para falar da “famiglia”. No
linguajar do direito criminal poderíamos falar que se trata suspostamente de
uma OCRIM, tamanha a quantidade de processos que surgem quando pesquisamos na
central de sistema da CVM (https://sistemas.cvm.gov.br/?Processo): são 94 processos físicos e 83 processos eletrônicos !!! Parece
dono de Porsche bêbado que sai matando gente por aí e continua com a CNH (os
membros da suposta OCRIM nunca foram inabilitados).
Deixa de ser radical, dirão alguns, a maioria dos processos trata
“recursos contra a aplicação de multas” e “parcelamento de multa”. Deve ser
perseguição da SEP, verdadeiros heróis diante de uma CVM esvaziada e sem
recursos para fiscalizar. Vendo que a empresa está em recuperação judicial
desde 2019 tendo a acreditar que se trata de uma conspiração galáctica, mais
uma vítima da maldição das 3 letrinhas, minha “teoria” sobre o fracasso de
empreendimentos que tratei na postagem de 29/9/23 (https://www.blogdagovernanca.com/2023/09/a-maldicao-das-3-letrinhas.html).
Parênteses nº 2 – o site da CVM melhorou muito !!! Parabéns aos
envolvidos.
No caso em questão, nascido de “reclamação de investidores acerca
de divulgação incompleta e intempestiva de informações relevantes no período
compreendido entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, além de falha na
prestação de informações periódicas”, o “elemento nº 1” (uma conselheira de
administração) propôs pagar R$ 80.000,00, em 8 parcelas mensais iguais (carnê
Casas Bahia na CVM?); o 2º elemento (vice-presidente do conselho de
administração) propôs pagar R$ 50.000,00, também usando o carnê CVM/Casas Bahia
(8 parcelas mensais iguais); o 3º elemento (presidente do conselho de
administração) propôs o valor de R$ 150.000,00 também usando o carnê CVM/Casas
Bahia; o 4º elemento acusado (diretor vice-presidente) não sugeriu o vergonhoso
parcelamento e propôs pagar o valor de R$ 80.000,00 em parcela única; e por
fim, o 5º elemento propôs pagar um pouco mais (R$ 172.500,00 em parcela única),
certamente orientado por espertos advogados, afinal ele é o DRI.
Diz ainda o relatório do Comitê de Termo de Compromisso que negou
o acordinho que “nota-se que esta não é a primeira vez que a Companhia deixa de
divulgar informações relacionadas ao seu processo de Recuperação judicial”. Informa
ainda que esse processo anterior “foi objeto de celebração de termo de compromisso,
por meio do qual o Sr. Fulano assumiu a obrigação pecuniária de pagar à CVM o
valor de R$ 672.000,00 bem como, a obrigação de não exercer, pelo período de 2
anos, o cargo de administrador (Diretor ou membro de Conselho de Administração)
ou de membro do Conselho Fiscal de companhia aberta”. Que legal, por ser
figurinha carimbada na Rua Sete de Setembro o malandro propôs o chamado
autoflagelo.
Concluindo, a nossa CVM não pode ser um balcão de negociação com
meliantes; não se trata de “quer pagar quanto”, mas como essas negociações com
criminosos do colarinho branco jogam a credibilidade do mercado na lama. Se os
membros da OCRIM propusessem R$ 550.000,00, o Colegiado aprovaria o terminho de
compromisso? Não se trata de uma sanha justiceira, mas sim desejar o simples cumprimento
da própria regra que norteia os termos de compromisso (art. 86 da Resolução CVM
45/2021): o Colegiado deve “considerar, dentre outros elementos, a oportunidade
e a conveniência na celebração do compromisso, a natureza e a gravidade
das infrações objeto do processo, os
antecedentes dos acusados ou investigados ou a colaboração de boa-fé
destes, e a efetiva possibilidade de punição, no caso concreto”. No bom português,
com bandido não se negocia.
Ficaram curiosos em saber o nome da Cia.? Não falo para evitar
processos, mas para conhecimento de todos temos 35 empresas em recuperação
judicial com registro na CVM (alguns registros já cancelados – veja a lista
completa em https://cvmweb.cvm.gov.br/SWB/Sistemas/SCW/CPublica/CiaAb/ResultBuscaParticCiaAb.aspx?CNPJNome=recupera%e7%e3o%20judicial&TipoConsult=C). Quem tem mais de 50 anos e curte o som de Elis Regina vai matar
a charada....
CVM, o ombro amigo, a mão que afaga.
Abraços fraternos,
Renato Chaves
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