R$ 150 milhões no bolso e nem um puxão de orelha do Xerife. Contratos de “non-compete”: uma forma criativa de saquear o caixa da empresa.

 


E não é que terminou em pizza o julgamento mais esperado do ano .... Nos grupos de Whatsapp já tem gente perguntando se pode fechar a CVM. Um exagero.


Primeiro um pouco de história do mundo corporativo. Antigamente era prática comum entre os controladores usar indiscriminadamente recursos das empresas, como frotas de carros para toda a família, helicópteros e jatinhos ou compra de ativos não operacionais para uso particular, como fazendas, além de um grande staff para atender a família empresária. Mas tínhamos casos extremos, como os relatados no livro “Chatô, o Rei do Brasil” (Fernando Morais - Editora Companhia das Letras): o excêntrico empresário simplesmente passava na tesouraria da empresa e raspava o caixa, levando dinheiro vivo. Merece destaque a passagem que relata o apelo de diretores à Chatô para que ele pusesse fim ao hábito de “limpar” os caixas das empresas sem qualquer tipo de registro, em nome das “normas elementares da organização”. Chatô atendeu aos apelos e deixou, para fins de registro contábil, um bilhete com os dizeres “levei tudo”, devidamente assinado (fl. 588).


Hoje observamos que grandes empresas, até mesmo de capital fechado, adotam regras para segregar recursos das empresas e de seus donos, com a criação de holdings de participações, com o respaldo de acordos de família e uma estrutura isolada para tratar desses interesses – o chamado family office.


Mas eis que a criatividade do ser humano não tem limites e agora temos mais requinte no saque aos cofres de empresas, com a figura dos contratos de não competição (non-compete), que funcionam muito bem quando forjados juntamente com a venda da empresa; um verdadeiro pagamento de prêmio de controle “maquiado”.


Nunca gostei dessa “tese de investimento”: a empresa é o que é porque o fundador visionário, detentor de uma sabedoria diferenciada, continua no comando. Tem gente que defende carta branca para tal ser “iluminado”. E se o sujeito morre? Acabou a empresa? Vale frisar que é obrigação do conselho de administração liderar o processo de sucessão para os principais cargos executivos.


Reparem que não estou falando de cientistas diferenciados, desses que desenvolvem vacinas salvadoras ou um carro que voa, mas de sujeitos medianos que desenvolveram negócios copiáveis, como comercialização de planos de saúde e outros penduricalhos, tecnologia na nuvem, software de gestão, etc, etc, etc.


No recente caso julgado pela CVM fica a pergunta para o investidor: se você aceita correr esse risco “pessoa única” acha razoável que a Cia. pague R$ 150 milhões para manter o iluminado executivo longe de negócios concorrentes? É chantagem que chama? (a vergonha é tanta que a manchete da notícia oficial do julgamento não trata do processo bombástico e suas absolvições – veja mais no link https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-condena-acusados-por-pratica-nao-equitativa-e-atuacao-irregular-no-mercado-de-capitais).


Sr. Investidor, você leu o parecer dos auditores externos (uma das grandes, a PwC), especialmente os PAAs (principais assuntos de auditoria)? Leu a Nota Explicativa nº 31-c da DF-31/12/2020? Se leu tudo e não vendeu as suas ações eu te classifico como um sujeito arrojado sob a ótica de risco.


Fato é que o patético julgamento da suposta celebração do Contrato em condições não equitativas (infração ao art. 154, caput, da Lei 6.404), da suposta aprovação de pagamento de benefício financeiro superior ao montante global de remuneração dos administradores aprovado em assembleia geral ordinária (infração ao art. 152, caput, c/c 154, caput, da Lei 6.404 pelos conselheiros de administração) e da suposta celebração do Contrato em condições não equitativas (infração ao art. 156, §1º, da Lei 6.404 pelo diretor-presidente e conselheiro) nos revela que liberou geral: pode fazer contrato colocando R$ 150 milhões no bolso do diretor-presidente e membro do Conselho de Administração sem risco de punição. Basta redigir um contrato sem muita firula (não precisa contratar escritório da Faria Lima ou Av. Rio Branco – Humaitá quebra o galho), contar uma história comovente (o fundador vendia nossos produtos de porta em porta, um visionário digno de reportagem no Fantástico) e ameaçadora – se não pagar R$ 150 milhões ele vai embora, funda um negócio concorrente e a nosso negócio deixa de existir.


Assim, lentamente, a letra G do ESG aqui no Brasil vai para a lata do lixo. Vale lembrar que a revolta dos investidores, quando acontece (como no caso Linx), é liderada por investidores estrangeiros (veja mais detalhes sobre o caso no link http://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2020/20201113_R1.html).


E não tem acordo de cooperação técnica que faça essa triste história mudar, nem que o acordo seja com a NASA ou com o Vaticano.


Abraços fraternos,

Renato Chaves

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