Relacionamento conselho de administração-executivos: quem manda de fato?
Toda tragédia traz questionamentos e
reflexões.
Penso que não é possível avaliar o sistema
de GC de uma Cia. sem conhecer como as decisões são tomadas. Mas como as atas
dizem muito pouco, ou quase nada (assim dizem os críticos e eu me incluo nessa
turma), vemos a importância de lermos com atenção os processos administrativos
sancionadores julgados na CVM com o objetivo de apurar eventuais falhas e
responsabilidades.
Mas então, como fica, sob a ótica
conceitual, bem genérica, a pergunta do título?
Quem manda é o conselho de administração,
dirão os legalistas e os acadêmicos. Afinal, o conselho determina a estratégia
e as metas, monitora, avalia, define fontes e usos de recursos, os pacotes de
remuneração de executivos e pode demiti-los a qualquer momento....
Mas é comum ouvirmos no mercado que
reuniões de conselho são eventos para entreter quem acha que manda. No dia da
reunião todas as mesas estão arrumadas, um brilho só... Funciona assim também nas
assembleias, que existem para entreter acionistas, tanto é que raramente o CEO
fala nesses encontros.
Fato é que, por mais capazes que sejam os
conselheiros, por mais abrangentes que sejam as perguntas, nenhum conselheiro detém
conhecimento suficiente para dialogar de igual para igual com os executivos.
Exceção válida somente para questões financeiras, já que nessa praia a maioria
dos conselheiros se sai bem.
Mesmo que seja um ex executivo do setor, o
conselheiro sempre estará com informação defasada e, geralmente, “filtradas”
pelos executivos... Eles só falam o que interessa; não raramente problemas são
ocultados, pois o super homem-CEO irá resolvê-los, sem demonstrar fraqueza.
Má fé? Em alguns casos sim. Mas penso que
prevalece a disputa pelo poder e o ego, afinal um CEO internacional não vai se
sujeitar a seguir cegamente orientações de representantes de acionistas
unicamente interessados em retorno financeiro.
Quando são contrariados, o que acontece?
Retiram o assunto de pauta, contratam consultorias externas para dar mais
“substância” à proposta e tentam convencer o conselho na reunião seguinte. O
conselho, por sua vez, sem condições de digerir tantas informações, é vencido
pelo cansaço e termina aprovando a proposta dos executivos.
Salvo raríssimas exceções, executivos acham
que são super homens, ganham como super homens (e como!), mas são “humanoides”
como todos os demais agentes da estrutura de GC das empresas.
O que fazer para aprimorar modelos de GC?
Reduzir a dependência de informações dos
executivos em questões “sensíveis” com opiniões externas em processos
conduzidos por conselheiros independentes, me sugeriu um amigo, leitor assíduo
do Blog desde o 1º dia. Um bom ponto.
Mais comitês, com dedicação maior de tempo
dos conselheiros para temas “potencialmente problemáticos”? Também faz sentido.
Mas não é suficiente.
Em minha opinião os conselhos devem
resgatar os dois principais pilares do sistema de GC: transparência e prestação
de contas.
Sair da clausura e estar cara a cara com os
acionistas nas assembleias. Alias no próximo dia 26/2, em São José dos Campos,
teremos uma boa oportunidade para ver se o conselho da Embraer terá a coragem
de participar de uma AGE que definirá o futuro da Cia, ou se terá a pachorra de
contratar advogados figurões para fazer o “servicinho”, fugindo do debate...
estarei lá para conferir.
Os conselhos precisam ser o agente de
disseminação de práticas éticas para os funcionários... não é fazer “cartinha”
na intranet e participar de visita guiada em algumas instalações. Confesso que
já participei de vários eventos burocráticos desses.
O que os conselhos precisam é dar a cara a
tapa... reunir funcionários em grandes auditórios e afirmar que denúncias podem
ser feitas sem medo, por intermédio um canal de apuração independente.
Precisam provar nas atas que não estão
sendo omissos/negligentes, nem rezando na cartilha dos executivos.
Fora isso, resta aos Conselhos acreditarem
que selecionaram os melhores executivos e que eles estão cumprindo
rigorosamente o que foi determinado, mas sempre de olho no conflito que
carregam – executivos tem uma visão de curto, no máximo médio prazo. Ficam um
tempo relativamente pequeno nas empresas (de 3 a 5 anos) e por isso pensam mais
nos bônus do que na sustentabilidade...
Confiança acima de tudo, até porque uma
reunião de um dia por mês com conselheiro preocupado com o horário de saída
para o aeroporto, deixa a desejar em termos de aprofundamento em temas
sensíveis.
Abraços a todos,
Renato Chaves
Caro Renato, que bom que você decidiu focar neste tema, no meu entender, um dos que realmente podem fazer diferença na governança : a relação diretoria e conselho. Não tenho respostas e acho que você começou bem, ao provocar o tema. Arriscando, acredito que é necessário começar encarando os eventuais conflitos como benéficos para a empresa. A diretoria, mesmo detendo mais conhecimentos, precisa respeitar o conselho como um sounding board relevante e o conselho precisa se envolver mais,se preparar ativamente, ter independencia real. E ambos precisam reconhecer sua humanidade, saber que sua autoestima é exagerada, conhecer seus modelos mentais, seus vieses.Profissionalmente muito bem sucedidos, todos tem dificuldade de reconhecer que justamente este aspecto pode levar a dificuldades de ouvir empaticamente, de aceitar opiniões contrárias às nossas. Gostaria de ouvir mais gente sobre o tema. Parabéns Renato
ResponderExcluirRenato, se você me permite o comentário, o relacionamento CA/executivos e a forma como as decisões são tomadas no topo são espelhos de como as coisas funcionam nos outros escalões. Não há transparência e prestação de contas do CA se não houver a mesma coisa nas outras instancias decisórias.
ResponderExcluirOu seja, cias. que tem culturas autoritárias (e algumas tem excelentes resultados, não se trata de um juízo de valor, apenas uma descrição) tendem a ser autoritárias também no relacionamento com CA. Isso é muito claro nos casos de empresas com controlador majoritário e "CA carimbador". Por outro lado, cias. que tem culturas mais participativas (de novo, sem juízo de valor) tendem a ter mais clareza do papel do CA.
Excelente texto, parabéns!
ResponderExcluirRealmente um dilema conselho vs DE