Controladores abusados: a triste rotina no nosso mercado de capitais.
Os julgamentos sobre o
artigo 117 da Lei 6404/76 podem ser raros, mas investidores devem manter
atenção porque a criatividade dos discípulos de Darth Vader parece infinita:
vigiai e vigiai, cada vez mais.
Dicas de investimento (uma
brincadeira e duas sérias): (i) lembrem-se da infância e desconfiem de empresas
com nome formado por sopa de letrinhas, do tipo HSN, CRR, YPO, etc; (ii) nunca
aceitem um Estatuto Social que permita investimentos em outras sociedades independentemente
de sua atividade; (iii) desconfiem seriamente de empresas com controle
distribuído em diversas empresas “veículos”, na forma de cascata (holdings A e
B controlam a holding C que controla a holding D que controla a empresa operacional
XPTO).
Vou citar somente três
casos para evitar uma postagem longa, mas sem citar nomes dos envolvidos para evitar
retaliações jurídico-cibernéticas:
CASO nº 1:
empresa de petróleo comprando participação relevante em empresa (quase falida)
de telefonia.
Imagine você, investidor
ativo no mercado e defensor fervoroso das boas práticas de governança
corporativa, que coloca seu suado dinheirinho em ações de uma empresa que tem
como objeto social (i) a prestação de serviços de consultoria e projetos de
investigação nas áreas de meio ambiente, petróleo, gás natural, mineração,
prestando assessoria profissional a empresas nas áreas de coleta, análises
químicas (orgânica e inorgânica) e interpretação de dados de natureza
geológica, geoquímica, geofísica e sensoriamento remoto de tais dados, bem como
consultoria em comércio exterior; (ii) a exploração, o desenvolvimento e a
produção de petróleo e gás natural; (iii) a importação, exportação, refino,
comercialização e distribuição de petróleo, gás natural, combustíveis e
produtos derivados de petróleo; e (iv) a geração, comercialização e distribuição
de energia elétrica; e de repente essa empresa compra expressiva quantidade de ações
de uma empresa de telefonia (!!!) e, para piorar a situação, um investimento
com enormes conflitos societários, seguidos prejuízos, dívida estratosférica beirando
a recuperação judicial.
Tudo isso por obra dos
caprichos do acionista controlador que malandramente se aproveitou de uma
cláusula estatutária, que permite a participação em outras sociedades como
sócia, acionista ou quotista, no país ou no exterior, independentemente de
sua atividade. Do dia para noite uma empresa que tem petróleo até no nome,
cheia de dinheiro no caixa, virou “acionista relevante” de uma telefônica quase
quebrada.
Pegadinha das boas... Já
pensou se a moda pega: você adquire ações de uma processadora de alimentos e no
dia seguinte a empresa começa a fabricar cuecas samba canção !!! Ou uma
mineradora que começa a investir em shoppings centers na bela região de Piracicaba...
O tema “deturpação do objeto social” foi tratado em carta pela Amec em 07/11/16
(disponível em https://www.amecbrasil.org.br/cartaamecpresi-n-122016/).
Os mais céticos dirão:
quem mandou investir em empresa sopa de letrinhas, com mais aparições nas atas
de julgamento da CVM que figurinha do colombiano Valderrama no álbum da Copa de
98!
CASO nº 2:
empresa com um parrudo endividamento de R$ 27 bilhões, resolve distribuir
dividendos intermediários de R$ 890 milhões, por obra e graça do acionista
controlador (uma grande família que controla a empresa listada por intermédio
de várias holdings/”veículos”). Coincidências da vida, uma dessas holdings tem
obrigações com juros e principal de debêntures no valor de R$ 1,3 bilhão em
2018. O assunto foi parar na justiça comum.
CASO nº 3:
controlador interessado em sair do negócio constrói criativa operação que
impede minoritários de opinar em AGE. Um verdadeiro papelão. Resumindo:
controladores negociam as condições e criam uma operação que deixa os
minoritários sem saída. Mecanismo conhecido como “drag along”, na gíria de
mercado, os minoritários são dragados sem dó nem piedade. Não é a 1ª vez que um
caso desses ocorre, com precedentes semelhantes nas operações Gafisa/Tenda e
Datasul/Totvs. O novo caso foi debatido no Colegiado da CVM, com negativa para
o pedido de interrupção de prazo de convocação de AGE (derrotado o diretor
Gustavo Borba). E parece que tem mesmo caroço nesse angu: a B3 já está
investigando movimentações atípicas... Será que o ditado “o tempo é o senhor da
razão” prevalecerá? Promete dar pano pra manga.
Abraços a todos,
Renato Chaves
P.S.: no momento em que o
Blog da Governança passa de 300 mil visualizações, gostaria de agradecer a
audiência fiel (sei que muitos divulgam a iniciativa voluntariamente), além do constante
incentivo que recebo em mensagens privadas. Fico lisonjeado com os comentários.
Acho o número bastante relevante, considerando que se trata de um Blog de
opinião, com foco em um público muito restrito (o nosso mercado é modesto). Fica
o meu compromisso de manter um canal independente de exposição de temas
exclusivamente relacionados com o mercado de capitais, com regularidade semanal.
Podem divulgar à vontade, assim como encaminhar críticas e sugestões de temas.
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