Há oito anos, Justiça trava divulgação da remuneração de executivos.
Vou abrir uma
exceção e deixar de publicar um texto próprio para compartilhar, na íntegra, a
brilhante reportagem elaborada pelo jovem jornalista Guilherme Pimenta, no
portal JOTA, site especializado em questões jurídicas.
Trata-se de uma
matéria que resume tudo o que ocorreu desde 2010, ouvindo diferentes visões
sobre a controversa “liminar IBEF”, um ataque à CVM e à transparência no mercado
de capitais.
Minha contribuição à matéria está no fim, em tom de provocação aos
sonolentos conselhos de administração. Resumindo: quem não quer prestar informação
como executivo de uma empresa que capta no mercado recursos do grande público
que mude de emprego... a padoca da esquina não tem esse tipo de exigência.
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Há oito anos, Justiça trava divulgação da remuneração de executivos
Liminar concedida em 2010 aguarda
julgamento desde 2014 no TRF2; não há prazo – 27/4/2017
(disponível em
https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/oito-anos-justica-trava-divulgacao-remuneracao-executivos-27042018)
Prestes a
completar 10 anos, a crise financeira de 2008 expôs falhas regulatórias nos
mercados de todo o mundo. No Brasil, uma das principais medidas tomadas pelos
reguladores devido ao colapso econômico está suspensa pela Justiça e aguarda
julgamento de recurso.
Tramita no
Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desde 2014, recurso interposto
pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no chamado “Caso IBEF”. Tudo começou
em 2010, quando a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu, em primeiro
grau, a exigência do regulador do mercado de capitais para que as companhias
abertas divulguem a máxima, mínima e média salarial de seus administradores.
Naquele ano,
o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) ingressou com uma
ação com pedido de liminar para suspender o sub-item 13.11 do anexo 24 da ICVM
480. Polêmico, esse dispositivo determinou que as companhias indiquem, para os
últimos três exercícios sociais, por meio de uma tabela, o órgão societário,
número de membros e — exigência mais questionada — o montante recebido, em
média, pelos executivos.
O instituto
alegou que a norma “colide com a privacidade e o sigilo de dados protegidos
pela Constituição”. Além disso, a instrução “estaria criando, indevidamente,
norma da alçada da lei das sociedades anônimas, inovando onde a normatividade
já estaria esgotada pela lei”.
Na linha
constitucional foi o então advogado Luís Roberto Barroso, hoje ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), que deu um parecer contra a divulgação da média
salarial dos executivos. Segundo Barroso, a exigência feriria direitos
individuais da intimidade, vida privada e sigilo de dados, previstos no art.
5º, incisos X e XII, da Constituição Federal.
Após conceder
a liminar suspendendo temporariamente os efeitos da instrução normativa, o
juiz titular da 5ª Vara Cível Federal do Rio, Firly Nascimento Filho, ratificou esse entendimento em sua sentença. Segundo ele,
“os executivos não se confundem com agentes públicos, cujas remunerações
podem ser levados ao conhecimento da comunidade, uma vez que derivados de
verbas pública”.
Além de não se
justificar a investidores, na visão do magistrado seria “forçoso reconhecer que
a divulgação da remuneração dos executivos pela rede mundial de computadores
teria o condão de comprometer a segurança tanto dos referidos profissionais
quanto a de suas famílias, haja vista a atuação cada vez mais especializada e
violenta dos criminosos”. Sua sentença é de 17 de maio de 2013.
Com a derrota,
a Comissão de Valores Mobiliários recorreu, então, ao segundo grau. A apelação
foi remetida ao TRF2 em 5 de fevereiro de 2014, mas, segundo o sistema do
tribunal, só foi distribuída à 8ª Turma Especializada da corte mais de um ano
depois, em 29 de maio de 2015.
Em recente
entrevista ao JOTA, o procurador-chefe da CVM, Celso Rocha Serra
Filho, criticou a demora do Poder Judiciário em julgar casos relacionados a
mercado de capitais, pois isso causaria “insegurança jurídica” a
investidores e às próprias companhias. Especificamente sobre a questão da
remuneração, ele afirmou que a divulgação da média salarial dos acionistas é de
“grande interesse” para a transparência do mercado.
“Se a
companhia opta por captar recursos junto aos investidores,
deve ter estar disposta a ter esse nível de transparência. A
divulgação mais detalhada da política de remuneração é uma prática
internacional que surgiu como consequência da crise de 2008, é uma
informação que interessa ao acionista, não só à pessoa física mas também ao
investidor institucional”, justificou Rocha na entrevista.
O relator do
processo no TRF2 é o juiz federal de segundo grau Guilherme Diefenthaeler. Na
sua última decisão, em 11 de janeiro deste ano, ele deferiu pedido formulado
pela Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), pela Associação
dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC) e
pela Associação CFA do Brasil (CFA Society of Brazil) para ingressarem como
amicus curiae no processo.
Especializada
em Direito Administrativo, a 8ª Turma do TRF2 é composta por três juízes de
segundo grau. O relator do caso é o presidente da turma, composta também pelos
magistrados Vera Lúcia Lima e Marcelo Pereira.
Em parecer, o
Ministério Público Federal (MPF) defendeu a divulgação das médias salariais. Segundo o
procurador-regional da República Luís Cesar Souza de Queiroz, “a exigência
firmada na instrução normativa 480 da CVM não viola as garantias
constitucionais da intimidade, privacidade e sigilo de dados dos administradores
da companhia aberta, visto que exige apenas que seja informado o valor máximo,
médio e mínimo das remunerações e não o valor especificamente exigido por cada
indivíduo que compõe o respectivo órgão diretivo”.
“Diversamente
do que restou concluído pelo juiz de primeiro grau, a CVM, ao editar a
Instrução Normativa, pretende que seja assegurado ao público investidor em
geral o direito à informação, pelo que foi determinado que as empresas
divulguem o formato remuneratório que utiliza. Não foi exigida a divulgação da
remuneração individualizada de cada membro do órgão diretivo”, pontuou o
procurador na manifestação, em 7 de maio de 2014.
A reportagem
questionou o TRF2 sobre a demora em julgar a apelação, inclusive sobre o
período de mais de um ano em distribuir o processo à 8ª Turma. Em resposta, o
tribunal afirmou que o juiz relator não falará sobre o caso e que não há
previsão para julgamento. Sobre o período de distribuição, a corte disse que
isso aconteceu devido a uma mudança em seu sistema processual.
Crise
de 2008
O advogado
Otavio Yazbek, ex-diretor da CVM, atualmente defensor de grandes companhias
abertas, explica que a partir da crise de 2008, “um dos temas que entraram
na agenda dos reguladores foi, de fato, a remuneração de administradores”.
“Isso por causa das práticas no mercado financeiro americano, e dos estímulos
que elas geravam”, afirmou ao JOTA.
Nos EUA, em
2008, enquanto os administradores dos bancos apostavam em ativos de risco e
geravam prejuízos bilionários, executivos recebiam bônus cada vez mais altos. A
política de remuneração não era transparente.
O problema
americano se concentrou nos bancos, mas, lembra Yazbek, diretor da autarquia
quando a instrução foi editada, “o debate sobre remuneração foi se alargando e
passou a abranger o mundo das companhias abertas”.
“No fundo, não
se trata só de um efeito da crise, porque essas práticas, nas companhias
abertas, não geram exatamente os mesmos riscos que elas geravam nos bancos. Mas
existem questões importantes de alinhamento, indícios de abuso e um aumento da
percepção de que a transparência é importante”, disse o ex-diretor da autarquia
reguladora.
Com isso,
explica o ex-diretor, a CVM entendeu que é importante para o investidor
saber aqueles salários e médias “porque isso permite uma visão mais adequada do
modelo de remuneração adotado, das distorções eventualmente existentes”. “Em um
ambiente de empresas com controlador definido, com administradores que, muitas
vezes, se confundem com os controladores, essas informações são relevantes”,
argumentou.
A professora
Viviane Muller Prado, especialista em mercado de capitais e professora da
FGV-SP, lembra que num primeiro momento a intenção da CVM era exigir a
divulgação do salário dos principais executivos. Após muita resistência, “dado
que afetaria interesses particulares dos tomadores de decisão das grandes
empresas brasileiras”, a autarquia então preferiu uma solução intermediária, de
divulgar a mínima, média e máxima.
Como a liminar
obtida pelo IBEF beneficia somente companhias e indivíduos filiados à
associação, Viviane Muller lembra que, como resultado, “atualmente há no Brasil
companhias obrigadas a divulgar e outras que, utilizando-se do amparo judicial,
não fornecem informação ao mercado sobre a remuneração de seus
administradores”.
O diretor da
CVM Henrique Machado lembra que não foi somente a autarquia reguladora que
tomou medidas sobre a remuneração dos executivos. Procurador do Banco Central,
ele lembra que a autoridade monetária editou a Resolução 3921, que
estabelece regras para a política de remuneração de administradores das
instituições financeiras.”Em ambos os casos, são regras de transparência e boa
governança”, afirmou o diretor ao JOTA.
Em outros
países, como Estados Unidos, França e África do Sul, a divulgação salarial é
individual.
Divergências
Especialistas
em mercado de capitais que defendem grandes companhias divergem tanto sobre a
eficácia quanto sobre a obrigatoriedade ou não da divulgação de informações
remuneratórias. Para Nelson Eizirik, advogado e ex-diretor da CVM, a instrução
“foi além dos poderes do regulador do mercado de capitais”.
“A Lei das S.A
já dispõe, no art. 157, que o acionista que tiver mais de 5% do capital social
da empresa pode pedir as informações remuneratórias. Mas, como isso é
confidencial, fica dentro da própria companhia”, argumentou o advogado. Segundo
ele, nenhum investidor “vai comprar ou deixar de comprar ações com base nessa
informação”.
O ex-diretor
da CVM Otávio Yazbek discorda. Defensor da norma, ele afirmou que “ninguém é
obrigado a ser administrador de companhia aberta” mas, caso opte por ser, “deve
se sujeitar às regras do jogo”.
“Isso me
lembra muito aquelas pessoas que, no cadastro em um banco ou em uma corretora,
se recusam a dizer quanto ganham ou a dar dados patrimoniais por ser informação
sigilosa. Não existe esse sigilo, você está entrando em um campo onde deve
prestar aquela informação. Se não quiser, não entra”, defendeu o advogado.
Viviane Muller
Prado, por sua vez, critica a interferência da Justiça nas decisões regulatórias.
“O Judiciário
não participa constantemente da criação de regras administrativas da CVM, mas a
análise do caso mostra que há potencial de interferência da Justiça, com a
possibilidade de proteção de interesses individuais em contraposição a
políticas regulatórias para desenvolvimento do mercado de valores mobiliários,
especialmente em sede liminar”, afirmou a professora.
Amicus
curiae
A Associação
dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), a Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC) e a Associação
CFA do Brasil (CFA Society of Brazil) ingressaram em conjunto como amicus curiae no processo.
O TRF2 autorizou a entrada em janeiro deste ano.
O
representante legal da Amec, Walter Luis Bernardes Albertoni, afirmou que a
divulgação das médias salariais serve para “o investidor saber o que está sendo
feito com seu dinheiro”.
“Há casos, quando
o administrador está fazendo um bom trabalho, que é até interessante remunerar
melhor para mantê-lo na companhia”, falou Albertoni. “Não é que o investidor
vai bater bumbo com os salários. Mas é para entender”.
Na petição, as
associações rebatem o argumento do ministro Luís Roberto Barroso. Segundo o
texto, “o direito à privacidade é um pleito muito legítimo, mas não para
empresas e pessoas que têm a sua remuneração paga por capital público”.
“As companhias
têm o dever de informar como os seus administradores, aqueles que realmente são
responsáveis pelas tomadas de decisão, estão sendo incentivados”, defendem as
associações.
Minoritários
Renato Chaves,
ex-diretor da Previ, autor do Blog da Governança, afirmou que a proposta remuneratória dos executivos estão sendo rejeitadas em recentes assembleias gerias de acionistas.
Segundo ele,
em grandes companhias, como Vale, Cielo e CCR, a rejeição ultrapassa os
patamares dos 70% nos votos à distância.
“A relevante
rejeição de acionistas às propostas de verba global na safra de assembleias de
abril lança luz sobre o polêmico tema e joga no colo dos conselhos de
administração a provocação: como pode uma decisão que influencia negativamente
a visão de investidores sobre a empresa pode ser ignorada pelo mais importante
órgão de governança?”, questionou Chaves.
(FINAL DA
MATÉRIA)
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Abraços a
todos,
Renato Chaves
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