Carta de um pequeno (nano) investidor para os presidentes de Conselhos de Administração.
Confesso que fui muito
cético com a sugestão de encaminhar cartas para os presidentes de CAs, na
tentativa de sensibilizá-los a discutir com seus pares o assunto “divulgação de
informações sobre remuneração de Administradores no padrão CVM”. Afinal, as
nossas empresas não tem um histórico muito bom quando o assunto é
relacionamento com investidores (alô Itaguaí, aquele abraço...). O tamanho
reduzido das equipes de RI e as assembleias burocráticas que presenciamos Brasil
afora, com raríssimas exceções, reforçam esta minha percepção.
Vejam que procurei ser extremamente
polido no texto...
“Sr. Presidente do Conselho de
Administração da [empresa],
Venho, na qualidade de acionista dessa
Cia. e participante ativo do nosso mercado de capitais, apresentar um assunto
para sua reflexão.
Com a proximidade das assembleias
anuais de acionistas o tópico “verba global dos Administradores”, de
deliberação obrigatória nesses encontros, traz uma preocupação a todos os
investidores.
Isso porque, desde 2010, um Instituto
que representa alguns executivos que atuam em empresas de capital aberto, vem
litigando com a Comissão de Valores Mobiliários sobre a regra de divulgação
estabelecida na Instrução CVM nº 480 (item 13.11 do Formulário de Referência).
Fruto dessa judicialização, que em
última análise questiona o poder da CVM em regular o mercado, observamos que
uma minoria de empresas listadas, 32 entre as 100 empresas mais líquidas do
nosso mercado, vem deixando de prestar tais informações, amparadas por uma decisão
judicial.
Tal postura cria uma séria anomalia em
nosso mercado, tendo em vista que grandes empresas, como Ambev, BRF, Lojas
Renner, Natura e B3 divulgam as informações, mesmo tendo em seus quadros
executivos filiados ao referido Instituto.
Observa-se ainda que investidores
estrangeiros, habituados a uma transparência ainda maior em outros mercados,
com a divulgação de remunerações individuais de executivos, vem adotando o voto
contrário às propostas de verba global nas empresas que deixam de informar o
previsto na citada Instrução CVM nº 480. Nota-se ainda que empresas
internacionais que prestam serviços de orientação de voto em empresas listadas,
como o Institutional Shareholder Services – ISS, já orientam seus clientes a
rejeitar as propostas de verba global em empresas que não seguem integralmente
a Instrução CVM, como se pode depreender da leitura do recente relatório
publicado pelo ISS (documento disponível no endereço eletrônico https://www.issgovernance.com/file/policy/active/americas/Brazil-Voting-Guidelines.pdf).
No
caso particular da Cia., a listagem no Novo Mercado aumenta ainda mais as
expectativas dos investidores, pois as empresas desse segmento de listagem
assumem compromissos definitivos com a transparência. (PARÁGRAFO EXTRA PARA EMPRESAS DO NOVO MERCADO)
Igualmente importante é lembrar que o
Código Brasileiro de Governança Corporativa, cujas práticas deverão ser
comentadas pelas empresas listadas nos Formulários de Referência já em 2018,
prevê como recomendação a divulgação das informações sobre remuneração na forma
preconizada pela CVM.
Por fim, por entender que o assunto
traz reflexos à percepção dos investidores quanto às práticas de governança de
sua empresa, algo estratégico sob a ótica do Conselho de Administração, solicito
respeitosamente que esta mensagem seja compartilhada com os demais membros do
Conselho.
Atenciosamente.
Rio de Janeiro (RJ), 26/2/2018.”
Pois bem, de uma lista de
27 cartas enviadas em final de fevereiro, sempre por intermédio dos portais de
RI, recebi resposta de somente 5 empresas !!! Três delas afirmando que a carta
havia sido encaminhada ao presidente do Conselho, uma delas com uma resposta
direta da equipe de RI que repetia as justificativas apresentadas no Formulário
de Referência, o que me leva a entender que o assunto passou longe dos
conselheiros, e a mensagem mais hilariante de todas, que afirmou que estava
encaminhando minha carta para o “jurídico societário para tratativa”. Pensei
com meus botões de galalite: isso é uma ameaça, ou somente um texto padrão
burocrático de quem vê o acionista não como o patrão, mas como um b#xdão que não deve encher a paciência?
Estou esperando a tal “tratativa jurídica” até hoje... Deixa pra lá, não
entenderam nada mesmo.
Mesmo que o resultado tenha
confirmado meu ceticismo, fiquei feliz em ver que uma empresa efetivamente fez
aquilo que sugeri – discussão do assunto no
Conselho de Administração – como pude verificar nos manuais de assembleias.
Foi somente uma semente,
como tantas outras... Mas quem sabe as empresas não passam a ouvir mais os investidores,
independente do “tamanho”. Aproveito para sugerir aos meus leitores,
especialmente àqueles que atuam na área de RI (sei que são muitos...), a
leitura das recomendações do CODIM (Comitê
de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado) sobre determinadas
práticas de divulgação de informações utilizadas por algumas companhias não
aderentes às demandas dos seus públicos estratégicos (disponível em http://www.projup.com.br/arq/121/arq_121_222607.pdf).
Vamos lá, vamos acreditar
que um dia a transparência vai melhorar.
Abraços a todos,
Renato Chaves
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