Acordos de leniência e termos de compromisso: na falta de culpados todos são suspeitos.
O samba “De frente pro
crime”, de autoria da incrível dupla João Bosco/Aldir Blanc, já dizia: Tá lá um
corpo estendido no chão !!! (imperdível disponível em https://www.youtube.com/watch?v=clHbMIBm4eQ).
Acordo de leniência firmado, estamos diante de uma empresa assumidamente
corruptora...
Quando observamos os
acordos de leniência firmados por empresas listadas (como a gigante
petroquímica, a fabricante de aviões e certa empresa de transporte aéreo com as
cores da equipe holandesa que não irá à Copa), amplamente divulgados pela
imprensa especializada, nos deparamos com uma certeza, a culpa pelo ato ilícito,
e uma dúvida perturbadora: quem autorizou a saída de recursos para a
concretização do delito?
Sim, queridos leitores,
não lemos nos jornais absolutamente nada sobre a responsabilização de
executivos, mesmo que na esfera administrava. Estou falando de empresas
listadas, que é a nossa praia.
Questionei a prática de uma
dessas empresas na CVM, ao solicitar a abertura de um processo sancionador, e a
resposta foi lacônica, simples e direta: o acordo assinado com o Ministério Público
Federal, no módico valor de R$ 12 milhões, encerrou a questão.
E mais, a cara de pau da
empresa criminosa, assumidamente corruptora, chegou ao cúmulo do absurdo com a
apresentação de uma proposta de termo de compromisso ao colegiado da CVM, no
valor de R$ 1 milhão (mais detalhes do processo em http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2018/20180112-2.html).
Ainda bem que o colegiado recusou a descarada proposta, por entendê-la inconveniente
e inoportuna no estágio atual em que se encontram as investigações na Autarquia.
Mas êpa, peralá, parem as
rotativas... O defunto está estirado, fresquinho (se ainda existisse o pregão
de viva voz ele estaria no meio do saguão da Bovespa), a empresa reconhece o
crime cometido, mas não se dispõe a revelar quem apertou o gatilho (ou conduziu
a “prática não republicana” no eufemismo linguístico de Brasília)? Um contrato
fictício com uma empresa de publicidade ou uma consultoria foi assinado para
encobrir o pagamento da propina, a transferência de recursos foi feita pela
tesouraria da empresa e ninguém lascou o jamegão no papel (ou apertou o ENTER numa
assinatura eletrônica)?
Ok, a empresa (com
dinheiro de todos os
acionistas) resolveu a pendências com os temidos procuradores federais e até
internacionais, demitiu secretamente meia dúzia de executivos (teve gente que
trocou presidente e diretor financeiro !!!), mas como fica o dever de lealdade
da Lei 6404? Não existe um tal de dever de diligência a ser observado pelas
cabeças “pensantes” da organização? Será que o assunto “pagamentos indevidos a
políticos/clientes/fornecedores” foi apresentado secretamente ao conselho de
administração? Não acredito... Mas e o presidente do Conselho? Não sei não,
como diria Marisa Monte “eu sei que você sabe, que eu sei que você sabe que é
difícil de dizer”... Alguma chance do CEO não saber de nada? E o rabugento-carrancudo
CFO, dono da chave do cofre? Será que a orientação partiu diretamente dos
acionistas controladores? Pode isso, abuso de controle? Será que assistiremos a
esdrúxula situação de reconhecimento de culpa no acordo de leniência perante a
turma do MPF e um termo de compromisso com a CVM, sem confissão de culpa?
Fato é que, na falta de
culpados com nome/sobrenome/CPF (só temos culpados etéreos – as empresas),
todos os envolvidos continuam habilitados a atuar no mercado de capitais. Inabilitação
de 20 anos seria pouco, na medida em que temos um risco potencial: sem
inabilitação esses Administradores podem repetir ou reproduzir, de forma potencializada,
essas práticas deletérias em outras Cias no futuro.
Resumindo, como em um bom
filme de Agatha Cristhie na falta de culpados todos os profissionais de alto
escalão dessas empresas, conselheiros de administração incluídos, são suspeitos.
E não me venham apontar o dedo para o Zezinho, o rapaz gente boa do cafezinho.
Abraços a todos,
Renato Chaves
P.S.: o Projeto de Lei
1851/2011, do Deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) continua parado em alguma gaveta
do Planalto Central... Seria um antídoto contra esse tipo de malandragem, ao
proibir termos de compromisso para infrações graves no âmbito da CVM.
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