CVM sob fogo cruzado.
Recente decisão do
colegiado da CVM reacende um debate antigo no Brasil sobre conflito de
interesses, e ainda, sobre alienação de controle acionário. Tão intenso que a
AMEC soltou um verdadeiro petardo – vide documento em http://www.amecbrasil.org.br/simples-assim/.
No cerne da 1ª questão
está, resumidamente, a visão de que o benefício particular para um acionista
(ou grupo de acionistas normalmente o grupo controlador), especialmente em
operações de fusão/incorporação entre empresas, poderia (e deveria conforme o
caso) ser configurado antes da concretização da operação. Desta forma, o
acionista controlador não poderia votar na assembleia convocada. No linguajar dos
ilustres advogados: o conflito seria nítido, estaria configurado ex-ante, ou
seja, antes da operação concretizada. Porém, outra linha de nobres engravatados
e perfumadas senhoras portadoras de carteirinhas OAB defende o argumento que o
conflito, e eventual benefício/prejuízo, somente poderia ser julgado/avaliado/medido
depois de concretizado o fato – ou ex-post.
Argumentos adicionais da
turma do “ex-ante” apontam na linha da impossibilidade de desfazer complexas
operações como incorporações de empresas, anos depois de demorados julgamentos.
Daí a necessidade de impedir o voto do potencial beneficiário para não macular definitivamente
a operação, por força inexorável do tempo (qualquer trocadilho é coisa de
carioca). Na prática seria impossível voltar ao momento zero, restando calcular
eventuais prejuízos. Anos e mais anos para calcular valores.... Em processo recentemente
julgado o voto da Diretora Relatora (derrotada por 3x1), em linha com a opinião
da área técnica, nos diz (nomes omitidos para evitar retaliações cibernéticas/jurídicas):
“A Diretora Relatora ressaltou que a CVM tem entendido que (i) diante de uma
deliberação que conceda um benefício particular a um acionista, esse acionista
está impedido de exercer o direito de voto; e que (ii) por "benefício
particular", entende-se qualquer benefício a ser concedido a um acionista
como decorrência de uma deliberação, desde que não seja extensível aos demais e
independentemente de estar ou não relacionado à condição de acionista”.
E
mais: “Em relação ao caso concreto, a Diretora Relatora entendeu estarem
presentes duas questões ainda não enfrentadas pelos precedentes da CVM: (i) se
a deliberação da assembleia geral precisa ter como objeto exatamente o ato que
concede o benefício particular ou se basta que este seja uma decorrência da
deliberação; e (ii) se a verificação de impacto ou prejuízo para os acionistas
minoritários é necessária para a identificação do benefício particular, em
especial, diante do argumento da Companhia de que o seu aumento de capital
produz consequências idênticas a todos os acionistas e de que as etapas da
Operação envolvendo a emissão de debêntures pelas holdings e sua posterior
conversão em ações não afetariam os acionistas não controladores da [empresa].”
Quanto
ao primeiro ponto, a Diretora Relatora “entendeu que o fato de a assembleia
geral da [empresa] não ter como objeto o mecanismo específico de concessão do
benefício particular não impede a configuração de benefício particular. Isto
porque a aprovação dos Ativos é condição essencial para a integralização das
debêntures e, portanto, realização do prêmio, sendo, consequentemente, uma
condição da verificação do benefício particular dos acionistas controladores.
Desta forma, a concessão do benefício particular está embutida indissociavelmente
no que se delibera na assembleia geral.”
Pareceres de renomados
juristas de ambos os lados, alguns ex-CVM, e a confusão está formada. A turma
do ex-post argumentou que: “...não haveria benefício particular dos acionistas
controladores na Operação e, especificamente, nas deliberações relativas ao
laudo de avaliação dos Ativos da [empresa estrangeira que patrocina time de
futebol] a serem contribuídos no aumento de capital da [empresa]. Desta forma,
não haveria impedimento de voto dos mesmos com relação a estas deliberações”.
Opinião: por meio de
complexas operações intermediárias os chamados “alquimistas do direito” (termo brilhantemente
cunhado pela AMEC) conseguem jogar fumaça e conturbar o mercado. Tá na cara que
tudo começou tempos atrás e que agora temos simplesmente uma consumação do novo
controle. Bobo é quem investe em empresa com um horizonte de confusões: é como
escolher ser sócio de banqueiro baiano de orelha grande.
E assim, finalizando, o
tema alienação disfarçada de controle, via operações sucessivas e criativas,
merece atenção redobrada. Tudo começou em 1998, no processo de privatização,
como bem frisado pela AMEC. E, cá entre nós, afirmar que uma empresa de MG comandada
por um “hermano” formado em La Plata não sofreu troca de controle é chamar o
mercado de idiota (tema já tratado na postagem do dia 15/4/2012).
Abraços a todos,
Renato
Chaves
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