Reservas: motivo de atenção redobrada para conselheiros e acionistas minoritários.
Uma leitura atenta dos processos RJ 2009/9186, RJ 2001/12367, RJ 2001/1870 e RJ 2004/2684, apreciados respectivamente nas reuniões de colegiado da CVM dos dias 08/12/2009, 26/4/2002, 19/3/2002 e 31/05/2005, nos faz concluir que o tema merece uma atenção redobrada de conselheiros (especialmente os fiscais) e acionistas minoritários. Vejamos alguns trechos extraídos desses processos:
(i) PROC. RJ 2009/9186 (Têxtil Renaux S.A.) – “a "Reserva Especial", constituída com o objetivo de reforço do capital de giro, não se enquadrava nas disposições dos arts. 194 e 196 da Lei nº 6.404/76, razão pela qual a considerava ilegal; (ii) a denominação empregada – "Reserva Especial" – era inadequada, por não atender às disposições dos parágrafos 4º e 5º do art. 202 da Lei nº 6.404/76; e (iii) a "Reserva para Investimento e Capital de Giro" não se enquadrava no estabelecido no inciso II do art. 194 da Lei nº 6.404/76, uma vez que o Estatuto Social não fixava a parcela anual do lucro de cada exercício destinada à sua constituição ou reforço, o que também considerava uma ilegalidade”;
(ii) PROC. RJ 2001/12367 (LIVRARIA DO GLOBO S.A.) – “...O caráter permanente, contínuo e independente da reserva estatutária não se coaduna com a possibilidade de reter a totalidade dos lucros para finalidades genéricas. Os lucros devem ser distribuídos tanto quanto possível. Os acionistas têm direito à disponibilidade imediata dos lucros líquidos não destinados à constituição de reservas, mediante o pagamento de dividendos complementares ao mínimo obrigatório....” (voto da Diretora NORMA JONSSEN PARENTE);
(iii) PROC. RJ 2001/1870 (METALÚRGICA GERDAU S.A.) – “.... 2. Após pedido de explicações e análise das informações prestadas, a SEP observou irregularidades na constituição da reserva de lucros a realizar composta durante o exercício pelas seguintes razões: a) a reserva não poderia ser constituída uma vez que os dividendos/juros sobre o capital próprio recebidos adiantados e creditados de suas controladas/coligadas durante o exercício de 2000 eram suficientes para o pleno pagamento dos dividendos mínimos previstos no estatuto (30%) aos acionistas; b) a companhia constituiu a reserva de lucros a realizar no valor de R$135.361 mil e efetuou o pagamento de R$56.599 mil de dividendos/juros sobre o capital próprio, equivalente a 32,60% do lucro líquido do exercício dando a falsa impressão ao acionista de que estaria recebendo mais do que o previsto no estatuto; c) caso não fosse constituída a reserva, os dividendos/juros sobre o capital próprio seriam no valor de R$62.121 mil; d) no valor de R$56.599 mil pagos aos acionistas estariam inclusos R$30.412 mil referentes à reversão da reserva de lucros a realizar (R$101.374 mil) feita durante o exercício social, tomando por base os dividendos/juros sobre o capital próprio recebidos com base nos lucros de 1999; e) assim, a companhia pagou sob a égide de dividendos/juros sobre o capital próprio do exercício de 2000 apenas R$26.187 mil, quando o correto seria R$62.121 mil, representando a postergação do pagamento de R$35.934 mil aos acionistas...”;
(iv) PROC. RJ 2004/2684 (Cia. Iguaçu de café Solúvel S/A) – “.....40. As reservas estatutárias, à luz do art. 194, I, da referida lei, devem ser analisadas rigorosa e restritivamente, razão pela qual suas finalidades não podem ser obscuras ou permitir várias interpretações. 41. A precisão, exigência legal para a constituição de reserva estatutária, é definida pelo dicionário Aurélio como "exatidão de cálculos", "concisão", "perfeição". Nada disto se observa na reserva estatutária em debate, que possui duas finalidades e sequer indica qual percentual do lucro líquido será destinado para cada uma destas finalidades. 42. É direito essencial de todo acionista participar dos lucros sociais, não só pela dicção inequívoca da lei, mas também por força da própria estrutura do mercado acionário brasileiro, cuja baixa liquidez dificulta a alienação dos ativos e obriga o investidor a permanecer na sociedade para auferir dividendos. 43. A regra geral para destinação do lucro líquido, portanto, é a partilha entre os acionistas, seja através de dividendos ou de juros sobre o capital próprio. A permanência dos recursos na sociedade é excepcional e, se usada indevidamente pelo controlador, configura exercício abusivo do poder de controle. 44. À vista disso, penso que a reserva estatutária prevista no art. 27, e, do estatuto social da Companhia Iguaçu de Café Solúvel vulnera os acionistas minoritários e descumpre o art. 194 da Lei das S.A. ao não satisfazer sua exigência de precisão e minúcia....” (voto da Diretora NORMA JONSSEN PARENTE).
Quando somamos a estes casos os recentes fatos ocorridos no Banco Panamericano e na rede Carrefour, podemos supor, com uma forte propensão ao acerto, que tais eventos têm como ponto em comum o interesse imediato de “arrumar” resultados. Ora por interesse do acionista controlador, ora por interesse do corpo gerencial.
Por fim, os interessados em uma boa leitura sobre “gerenciamento de resultados” devem visitar a biblioteca de teses da USP para consultar o excelente trabalho apresentado por Adriana Cristina Garcia Trapp no programa de doutorado em 2009 - A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis - disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-08072009-160920/pt-br.php.
Abs a todos e um bom final de semana.
P.S.: deixarei de comentar o recente julgamento do Termo de Compromisso da GVT (PROC. RJ2010/15761 analisado pela CVM ontem) por se tratar de Cia. do setor de telecomunicações, onde atualmente me encontro. Afinal, todos já sabem da minha opinião sobre termos de compromisso para infrações graves: SOU CONTRA.
Interessante suas observações. Entretanto os processos citam retenções de lucros, limitando a distribuição de dividendos. Não afeta o resultado do exercício das empresas. Aliás essas reservas de retenção devem ser objeto de avaliação e aprovação por parte do Conselho de Administração e da própria Assembleia Geral de Acionistas. O caso do PanAmericano é de outra natureza. Me parece mais próximo da fraude mesmo.
ResponderExcluirInicialmente havia planejado listar exemplos de reservas de capital e de retenção de lucros. Mudei de ideia mas não mudei o título da postagem. Fico grato pelo alerta. Citei os exemplos Panamericano e Carrefour para endereçar os visitantes para a tese da Dra. Adriana. Um forte abraço.
ResponderExcluirCaro Renato
ResponderExcluirInteressante o texto que vc postou - de fato há duas naturezas, porem isto motivou-me a baixar a tese da Dra Adriana.
a) A parte histórica da tese nos endereça aos Holandeses e ao direito Frances - muito interessante observar o processo evolutivo do CF.
b) A conclusao da tese é de que o CF fornece as partes interessadas melhor informação e contabilidade de melhor qualidade, porem outros fatores estão presentes- entre eles; Etica, Estrutura de controle, Comite de Auditoria, Capacitação da Auditoria Externa, Fiscalização e Punição.
Enfim muito legal a leitura
Abraços Artur Neves
Caro Artur,
ResponderExcluirAgradeço o seu comentário. Recomendo para todos os estudiosos no tema, como você, uma pesquisa no banco de teses/dissertações da USP, especialmente na área da FEA. Abs, Renato Chaves