O poder do voto
Calma pessoal, não pretendo debater sobre as eleições do próximo domingo. Na estreia do blog sobre governança corporativa, que suponho ser o 1º sobre o tema no Brasil, vou apresentar uma situação real que demonstra como o exercício do voto pode mudar a postura de uma Cia. Mesmo que o percentual detido seja insignificante, o fato de um investidor de "peso" questionar/buscar informações para fundamentar o voto pode levar a Administração da Cia a ser mais transparente, com benefícios para todos os investidores.
Numa época em que ainda não se falava em Formulário de Referência, a busca por informações para fundamentar o voto sobre o item "Verba global de remuneração de Administrações" era uma verdadeira gincana. Contatos com o RI para saber o valor que seria proposto ou pelo menos o índice de reajuste que seria aplicado ao valor do ano anterior eram vistos com desconfiança pelas Cias. O discurso oficial era "tais informações só serão apresentadas no momento da Assembleia". Ou pensavam que o acionista minoritário estava perguntado para criar algum constrangimento no dia da AGO ou então que se tratava de mera curiosidade, provavelmente de um funcionário novo querendo mostrar serviço. Não entendiam que um investidor que se faz representar por procuradores não tem como construir seu voto sem informações. Decidir no momento da Assembleia significaria passar um "cheque em branco" para seus representantes, sem que eles tivessem necessariamente conhecimento prévio dos diversos assuntos para construir votos no momento da assembleia.
Fato é que na AGO de uma grande instituição financeira brasileira (em 2004), a recusa em apresentar as informações necessárias para construção do voto no item remuneração (valor que seria proposto, montante da verba efetivamente utilizada no ano anterior, fundamento para definição do índice de reajuste) levou à construção de um voto de abstenção, com registro em ata de que o investidor não teria como aprovar ou mesmo reprovar uma matéria por absoluta falta de informação.
Feito o registro em ata recebo um telefonema, no dia seguinte ao encontro, de um VP contrariado pelo fato de um importante investidor institucional ter registrado um voto de protesto, o que nunca havia ocorrido na história daquela Cia. Em outras palavras, nós "sujamos" a ata da AGO. Quando ele alegou que bastava uma ligação minha, sem intermediários, para obter as informações que eram tratadas com extrema confidencialidade pela área de RI, ponderei que não parecia razoável dois importantes dirigentes de renomadas instituições perderem tempo para tratar sigilosamente uma informação que certamente interessava outros investidores, dispostos a participar ativamente do encontro. Considerando ainda o fato de participamos de mais de 80 AGOs naquele mês de abril, a tarefa seria hercúlea; além disso, estaríamos fomentando uma assimetria de informações, algo conceitualmente refutado por investidores que se preocupam com a credibilidade do mercado.
Recado dado, o material da assembleia do ano seguinte passou a tratar do tema sem segredo, possibilitando a presença dos investidores com votos construídos previamente, a partir de criteriosa análise técnica. Valeu o ditado popular: água mole em pedra dura tanto bate até que fura.....
Abs a todos e até a próxima. (LEMBRETE: não deixe de responder a enquete do mês...)
Numa época em que ainda não se falava em Formulário de Referência, a busca por informações para fundamentar o voto sobre o item "Verba global de remuneração de Administrações" era uma verdadeira gincana. Contatos com o RI para saber o valor que seria proposto ou pelo menos o índice de reajuste que seria aplicado ao valor do ano anterior eram vistos com desconfiança pelas Cias. O discurso oficial era "tais informações só serão apresentadas no momento da Assembleia". Ou pensavam que o acionista minoritário estava perguntado para criar algum constrangimento no dia da AGO ou então que se tratava de mera curiosidade, provavelmente de um funcionário novo querendo mostrar serviço. Não entendiam que um investidor que se faz representar por procuradores não tem como construir seu voto sem informações. Decidir no momento da Assembleia significaria passar um "cheque em branco" para seus representantes, sem que eles tivessem necessariamente conhecimento prévio dos diversos assuntos para construir votos no momento da assembleia.
Fato é que na AGO de uma grande instituição financeira brasileira (em 2004), a recusa em apresentar as informações necessárias para construção do voto no item remuneração (valor que seria proposto, montante da verba efetivamente utilizada no ano anterior, fundamento para definição do índice de reajuste) levou à construção de um voto de abstenção, com registro em ata de que o investidor não teria como aprovar ou mesmo reprovar uma matéria por absoluta falta de informação.
Feito o registro em ata recebo um telefonema, no dia seguinte ao encontro, de um VP contrariado pelo fato de um importante investidor institucional ter registrado um voto de protesto, o que nunca havia ocorrido na história daquela Cia. Em outras palavras, nós "sujamos" a ata da AGO. Quando ele alegou que bastava uma ligação minha, sem intermediários, para obter as informações que eram tratadas com extrema confidencialidade pela área de RI, ponderei que não parecia razoável dois importantes dirigentes de renomadas instituições perderem tempo para tratar sigilosamente uma informação que certamente interessava outros investidores, dispostos a participar ativamente do encontro. Considerando ainda o fato de participamos de mais de 80 AGOs naquele mês de abril, a tarefa seria hercúlea; além disso, estaríamos fomentando uma assimetria de informações, algo conceitualmente refutado por investidores que se preocupam com a credibilidade do mercado.
Recado dado, o material da assembleia do ano seguinte passou a tratar do tema sem segredo, possibilitando a presença dos investidores com votos construídos previamente, a partir de criteriosa análise técnica. Valeu o ditado popular: água mole em pedra dura tanto bate até que fura.....
Abs a todos e até a próxima. (LEMBRETE: não deixe de responder a enquete do mês...)
Renato querido, fantástica tua iniciativa de abrir um blog pra discutir a governança corporativa, acho que no momento em que tanta gente está entrando pro mercado de ações, é preciso desmistificar e colocar luz sobre esse mundo empresarial, pra que os investidores saibam onde estão entrando. Parabens!
ResponderExcluirRenato,
ResponderExcluirExcelente iniciativa. Vou colaborar ao máximo.
Sobre seu post: e o que dizer de nossas grandes empresas, como a Vale, que estão aí defendendo essa liminar para não revelar a remuneração de seus executivos? Só consigo entender essa atitude à luz de nosso vício latino cultural da falta de transparência em questões financeiras (teoria é que o ranço vem de nosso domínio católico....veja artigo na Carta Capital com capa sobre isso).
Renato,
ResponderExcluirParabéns pelo Blog, o assunto Governança e Transparência é espinhoso, enfrenta resistência, mas como você mesmo disse: "água mole em pedra dura tanto bate até que fura"
Abraço,
Denys Roman
Assembleias Online
www.assembleiasonline.com.br
www.twitter.com/assembleias
Renato,
ResponderExcluirExcelente iniciativa. Espero que o blog ajude a desenvolver a GC no Brasil.
Caro Renato Chaves,
ResponderExcluirMeus cumprimentos por sua tentativa no sentido de ampliar o bom debate sobre as melhores práticas de governança. O primeiro post é um bom começo, com ponderações bem colocadas sobre um tema instigante. Vem à minha lembrança o pensamento de Clive Tompson, especialista em GC, quando afirma que "transparência radical é o novo requisito para o sucesso das empresas". Ocorre que as empresas se tornarão, cada vez mais, transparentes à medida do efetivo ativismo dos agentes responsáveis pelo monitoramento da gestão empresarial, principalmente no sentido de se abri a "caixa-preta". Por outro lado, o nosso traço cultural revela sermos, por princípio, refratários ao combate mais acalorado. Mas com suavidade nos modos e energia na ação (suaviter in modo, fortiter in ré) poderemos contribuir para aprimorar as boas práticas de gestão.
Grande abraço e parabéns por sua atitude.
Wilton Daher
Renato,
ResponderExcluirÓtima iniciativa. Parabéns.
Aproveito então para compartilhar o recente acórdão proferido pela 2ª Turma do STJ (decisão unanimidade), o qual expressamente reconhece a importância dos valores ética e transparência no âmbito da gestão das companhias com vistas à preservação das relações com minoritários e stakeholders.
Confira o trecho abaixo:
"9. Constatou-se falta de transparência na realização da operação financeira em destaque, com impacto direto sobre o patrimônio da empresa e sobre o direito à informação dos acionistas minoritários, quando a companhia encontrava-se sob orientação decisiva dos recorrentes, acionistas controladores e administradores à data dos fatos.
10. No atual cenário da economia nacional e internacional, altamente dependente da saúde financeira do setor empresarial, a eticidade nas relações interna corporis das companhias é bem jurídico igualmente digno de tutela, por meio do estímulo à segurança e à transparência das operações financeiras. Por tais motivos, urge aplicar-se o princípio da confiança, a fim de resguardar a boa-fé dos sócios minoritários, bem como de toda a comunidade, diante de eventuais situações jurídicas geradas por um comportamento desleal dos administradores e sócios-controladores das pessoas jurídicas.
11. A Lei das Sociedades por Ações também é informada por essa principiologia, como se extrai da Exposição de Motivos n.º 196, de 24 de junho de 1976, segundo a qual a responsabilidade social que passou a ser exigida dos acionistas-controladores e dos administradores das pessoas jurídicas impõe-lhes comportamento idôneo e probo, conforme as diretrizes lançadas nos artigos 116, 117, 153 e 154, da Lei n.º 6.404/76."(Recurso Especial nº 1.130.103-RJ)
Abraço,
Matheus Corredato Rossi
Renato,
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa.
Sobre o tema de divulgação de remuneração dos executivos, batalhei mais de um ano para publicar um pronunciamento do CODIM, mas infelizmente, não conseguimos o consenso entre as dez entidades participantes. Como pudemos ver, foi por conta de um pequeno número de empresas que não aceitam nem publicar claramente a política de remuneração. Temos que continuar sendo ativos nas discussões para abrir os olhos desses poucos que acabam por prejudicar a melhor qualidade das informações de todos não percebendo que o mercado de capitais mudou.
HAROLDO
Renato!
ResponderExcluirNão entendo nada de governança corporativa, bolsa ou fundos de pensão,... mas se é você que está à frente do Blog tenho certeza que em breve ele se tornará referência.
Forte abraço amigo, e sucesso sempre
Marcos Leão